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Proteger e zelar pelo CDC
O dia 11 de setembro tem sido lembrado a cada ano, desde 2001, como o dia em que pelo menos dois dos pilares do mundo capitalista vieram abaixo. Solidário à nação que é conhecida como a verdadeira “Meca” do consumo, o mundo assistiu atônito a queda das duas torres, que eram, ao mesmo tempo, a representação do poderio econômico e da força do mercado, livre, para uns, neoliberal, para outros.
Fato histórico é que também em um dia 11 de setembro, há exatos 20 anos, foi criada pelo legislador brasileiro a base sobre a qual se elevam outros dois pilares. Consumidor de um lado e fornecedor de outro, sustentando a relação de consumo no País, devem garantir o nivelamento desta que é uma obra de harmoniosa arquitetura.
Tal obra, qual seja, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), tem suportado bem as investidas contra sua estrutura ao longo do tempo, e, mais que isso, tem subvertido as leis, senão da Física, as da Fisiologia de um mercado que parece ainda imune à ética, se é que existe alguma nesse campo, e aos limites impostos pelo Constituinte.
O pilar dos consumidores, reforçado pela proteção do Estado no plano dos direitos, tem, entretanto, suportado carga por demais pesada no que tange aos seus interesses, principalmente econômicos. O nítido desequilíbrio coloca em risco toda a estrutura. É que o pilar sustentado de um modo geral pelos fornecedores foi sedimentado com armação e concreto de flexibilidade e balanço bastante peculiares, movimentando-se ao sabor dos ventos e dos demonstrativos financeiros, tão esperados pelos acionistas e investidores.
O grande jogo em que se transformou o mercado tem registrado, sob a ótica dos interesses do consumidor, o placar de um a zero em favor dos fornecedores. O pretendido empate, idealizado pelo Código de Defesa do Consumidor há duas décadas, ainda não se verifica.
Enquanto de um lado, as entidades e seus (in)defesos consumidores cuidam em garantir de maneira heroica os direitos veiculados através das normas do Código, os fornecedores e suas representações cuidam melhor ainda da gestação de seus interesses nos andares superiores.
Há 20 anos está garantido, por exemplo, o direito do consumidor em relação à formação de cadastros de consumo. Isso, entretanto, não impede que o mercado comercialize livre e irresponsavelmente informações ligadas aos hábitos de consumo e à capacidade econômica de clientes, consumidores que se encantam com brindes ou bônus enquanto abrem inconscientemente seu sigilo, sua intimidade.
Também em 1990 foi assegurado aos consumidores o direito à informação clara sobre a composição dos produtos que consomem. Em relação aos gêneros alimentícios, ao consumidor é garantido o direito de escolha de acordo com as informações constantes dos rótulos. Ocorre que nem todas as informações constam.
Espera-se que não sejam necessários outros 20 anos para que o consumidor saiba que na composição de boa parte dos produtos de sua cesta básica figuram organismos geneticamente modificados. Sem qualquer juízo de valor, é fundamental que o consumidor decida livremente se corre ou não o risco de ingerir transgênicos, e não o fornecedor em seu lugar.
Por fim, quem sabe se os métodos, técnicas e padrões de administração típicos dos fornecedores não poderiam inspirar mecanismos de acesso ao consumidor para o exercício do direito de reclamar, mais eficientes que a distribuição de senhas nas primeiras horas da manhã em muitas cidades?
A maioria dos consumidores ainda não reclama, é óbvio. A maioria dos municípios brasileiros não conta com entidades de defesa dos consumidores. Muito aconteceu nesses últimos 20 anos: governos e governantes passaram, a economia mudou radicalmente, o mercado evoluiu, duas torres já não existem mais. Devemos proteger o CDC, zelando pelos direitos que o integram, e, atentando para toda a estrutura, reforçar imediatamente a defesa dos interesses dos consumidores, os quais, mais que meros pagadores de contas, devem figurar como pilares que são em defesa do equilíbrio da relação de consumo.
HÉRCULES AMARAL
Presidente da Comissão Nacional de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil